Pejotização no STF: entre a livre iniciativa e a garantia de direitos
O movimento pode ter motivações diversas — da busca por flexibilidade e maior renda líquida à tentativa das empresas de reduzir encargos sobre a folha ou à falta de poder de barganha dos profissionais menos capacitados junto aos empregadores. O governo vê nesses números indícios de fraudes.
Enquanto isso, pesquisa Datafolha de junho de 2025 mostrou que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria.
A pergunta que não quer calar — é legal contratar um trabalhador como se ele fosse uma pessoa jurídica? — já inundou as varas do Trabalho e desaguou no Supremo Tribunal Federal, a quem caberá decifrar a esfinge: até que ponto a modernização das formas de contratação pode coexistir com a proteção social inscrita na legislação trabalhista.
Nesse contexto, o Tema 1.389, de repercussão geral reconhecida, visa a responder três questões centrais. A primeira é se a contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços é válida frente ao reconhecimento, pelo próprio STF, da constitucionalidade de diferentes formas de divisão de trabalho (ADPF 324). Os outros dois pontos envolvem a definição da competência para julgar eventuais fraudes — se da Justiça comum ou da Justiça do Trabalho — e quem deve arcar com o ônus da prova, o trabalhador ou o contratante.
Por decisão do ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF, desde abril de 2025 estão suspensos todos os processos no país que discutem vínculos de prestação de serviço firmados com pessoas jurídicas, popularmente conhecidas como pejotas. O julgamento tornou-se um espelho das tensões entre modernização e proteção social — e um teste de confiança para a Justiça do Trabalho, que tenta preservar sua competência e relevância em meio a um mercado em transformação.
Relator da causa sobre pejotização no STF, Gilmar Mendes busca solução inovadora: “Não podemos deter o curso da história.”
O ministro também convocou audiência pública para coletar subsídios para o julgamento do caso. Em outubro, 48 especialistas apresentaram seus argumentos contra e a favor da pejotização. Representantes das entidades patronais defenderam que a CLT não abarca todas as formas contemporâneas de trabalho. Flávio Unes, da Confederação Nacional do Transporte e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, defendeu o reconhecimento da competência da Justiça comum para julgar os casos em que não estão presentes os requisitos clássicos da relação de emprego. Ivo Dall’Acqua Júnior, pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), lembrou que o STF já reconheceu a legalidade da contratação de mão de obra terceirizada e o que se busca é evitar que contratações legítimas sejam punidas pela Justiça do Trabalho.
Entre os que se manifestaram a favor da manutenção do status quo celetista, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, alertou quanto aos efeitos fiscais e sociais da pejotização. Lembrou que a perda de arrecadação combinada de Previdência, FGTS e Sistema S, entre 2022 e 2025, já ultrapassa R$ 106 bilhões. Ainda criticou o uso indevido do MEI, que foi criado para amparar trabalhadores por conta própria de baixa renda e cada vez mais tem sido usado para funções com subordinação e controle de jornada.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, classificou a pejotização como “cupinização” de direitos trabalhistas, que “corrói por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social”. Citou dados do IBGE, segundo os quais 56% dos demitidos entre 2022 e 2024 que se pejotizaram ganham até R$ 2 mil mensais, enquanto outros 37% têm renda de até R$ 6 mil. Ou seja, apenas 7% dos pejotizados superam a linha de quatro salários mínimos por mês. “Não estamos falando de uma opção de elites profissionais, mas de uma imposição silenciosa sobre a base da pirâmide social”, afirmou Messias.
A Ordem dos Advogados do Brasil defendeu a competência constitucional da Justiça do Trabalho para controvérsias sobre existência de vínculo e apontou o crescimento do contencioso. Segundo Rose Morais, secretária-geral da entidade, entre 2020 e 2025, foram movidas 1,2 milhão de ações sobre reconhecimento de vínculo de emprego, sinal de “um fenômeno estrutural que exige solução igualmente estrutural”.
O ministro Gilmar Mendes tem se posicionado de forma mais aberta a modelos contratuais flexíveis, tendência que se reflete em suas decisões: ele foi o ministro que mais votou pela procedência das ações, com índice de 77%, segundo a pesquisa.
Ao encerrar a audiência pública no STF, Mendes afirmou que “a legislação não pode deter o curso da história”, mas reconheceu que a incorporação de inovações exige critérios objetivos de prevenção a fraudes, revisão do plano de custeio previdenciário e atenção aos impactos tributários. O tom foi de busca por consensos possíveis. “Saímos deste encontro mais bem informados, mais sensíveis aos desafios apresentados e ainda mais comprometidos com a busca por soluções justas, inovadoras e viáveis”, afirmou.
Vieira de Mello, do TST: “Construir novas formas de trabalho sem desproteger o trabalhador.”
O presidente do TST, ministro Vieira de Mello Filho, resumiu a encruzilhada: “Talvez o progresso seja construir outra legislação para determinadas formas de trabalho, mas não para desproteger”, declarou em sessão no Senado, sobre a precarização das relações de trabalho.
Para o ministro Evandro Valadão, do TST, havendo causa de pedir atrelada à fraude ou ao preenchimento dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, a atribuição para julgar deve ser da Justiça do Trabalho, “uma vez que a competência é definida pelo pedido e pela causa de pedir”. Ele observou que há decisões contraditórias sobre o tema tanto na Justiça do Trabalho quanto no próprio STF. “A pacificação do Tema 1.389 é relevante tanto para reduzir a insegurança jurídica, quanto para garantir que casos iguais sejam tratados da mesma forma”, disse ao Anuário.
O ministro Freire Pimenta, do TST, entende que o efeito vinculante da decisão do Supremo tem o potencial de, “por um lado, precarizar ainda mais as relações sociais e trabalhistas e esvaziar a competência material da Justiça do Trabalho; ou, por outro, elevar o nível de proteção mínima assegurado a um enorme contingente de trabalhadores sob novas formas de contratação”.
A expectativa nos meios trabalhistas é que a decisão do Supremo preserve os direitos básicos dos trabalhadores e a competência da Justiça do Trabalho. Na avaliação do desembargador Jorge Álvaro Guedes, do TRT-11/AM-RR, a competência deveria ser atribuída à Justiça trabalhista, onde “se discute a matéria de fato”. Ricardo Hofmeister, presidente do TRT-4/RS, também defendeu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações sobre relação de trabalho, “gênero em que se inscrevem não apenas o vínculo de emprego e sim outros tantos liames laborais, tradicionais ou inéditos, inclusive os que decorrem de pejotização artificiosa”.
A presidente do TRT-15, Ana Paula Pellegrina Lockmann, cita o artigo 9º da CLT, que autoriza o reconhecimento judicial de situações fraudulentas, e é categórica ao dizer que é do juiz do Trabalho a competência e a experiência consolidada para avaliar a realidade dos vínculos. “A possibilidade de que o STF decida a matéria fora do âmbito da Justiça do Trabalho levanta um debate sensível: até que ponto um julgamento centralizado, sem a vivência prática das lides trabalhistas, pode captar todas as nuances do fenômeno?”
Há vozes que sublinham o papel uniformizador do Supremo. Ilson Alves Pequeno, presidente do TRT-14/RO-AC, entende que o desafio é “construir arranjos que conciliem a inovação e proteção, sem abdicar dos princípios históricos que informam o Direito do Trabalho como instrumento de justiça social”. Para Téssio Tôrres, presidente do TRT-22/PI, “o sobrestamento gerou um sobressalto, inicialmente, mas a decisão do Supremo irá traçar as balizas que serão seguidas por todos os ramos do Judiciário”.
Beatriz Theodoro, do TRT-23/MT, contou à reportagem que a pejotização aparece com frequência nos processos que chegam ao tribunal, sobretudo em atividades do agronegócio e serviços especializados. Nesse processo de definição de parâmetros, ela defende o diálogo com a Justiça do Trabalho, “que possui experiência prática e sensibilidade para avaliar as particularidades das relações de emprego”.
Levantamento deste Anuário da Justiça mostra que os pedidos de reconhecimento de relação de emprego quase triplicaram em quatro anos. Em 2024, foram 441 mil. Já o Anuário da Justiça Brasil 2025 revelou que um terço das 10.131 reclamações protocoladas no STF em 2024 foram trabalhistas — total de 3.481, aumento de 75% em um ano, reflexo de sentenças e acórdãos da Justiça do Trabalho que chegaram ao STF e foram revertidas.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2025
Lançamento: sexta-feira, 28 de novembro, no IV Congresso Nacional e II Internacional da Magistratura do Trabalho
ISSN: 2238-9954
Número de páginas: 304
Versão impressa: R$ 50, em pré-venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível a partir de 28 novembro no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
Anunciaram no Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Banco do Brasil S.A.
BFBM – Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Bradesco S.A.
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
Febraban – Federação Brasileira de Bancos
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
JBS S.A.
Mubarak Advogados
Peixoto & Cury Advogados
Refit
Silva Matos Advogados
Warde Advogados
Por: Consultor Jurídico
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