Decisão do STJ convida a repensar transmissão de bens digitais no Brasil
A decisão do Superior Tribunal de Justiça que previu a figura do inventariante digital oferece uma boa oportunidade para uma necessária reavaliação da transmissão de bens digitais no Brasil, de acordo com a análise de advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Tratamento de bens digitais no caso de morte não está previsto em lei no Brasil e passa por processo de adaptação
Isso porque a posição firmada pela 3ª Turma do STJ já consistiu em uma adaptação, diante da completa ausência de normas sobre o tratamento de informações digitais deixadas por pessoas que morrem.
O colegiado estabeleceu que é possível a nomeação de um perito — chamado pela ministra Nancy Andrighi de inventariante digital — para extrair dados de dispositivos dos falecidos e decidir o que tem conteúdo patrimonial e, com isso, pode ser transmitido e inventariado.
O Código Civil não regula a herança digital. O tema é central na proposta do PL 4/2025, que reforma o código e o adapta aos avanços tecnológicos, como já mostrou a ConJur. Outras normas, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, são insuficientes.
Classificação de bens digitais
Segundo Felipe Russomanno, sócio do escritório Cescon Barrieu, isso resulta em ausência de procedimentos claros para acesso aos dados do falecido, falta de critérios para distinguir bens transmissíveis e conflitos entre direitos sucessórios e da personalidade de quem morreu.
Mesmo a classificação jurídica dessas informações é controversa. Hoje, ela se divide em:
— Bens patrimoniais digitais (criptomoedas, contas bancárias);
— Bens existenciais digitais (fotos, mensagens, redes sociais);
— Direitos digitais da personalidade (dados íntimos, correspondências privadas).
“A tendência aponta para a necessidade de uma regulamentação específica que defina claramente bens digitais transmissíveis, estabeleça procedimentos para inventário digital e equilibre a proteção entre direitos sucessórios e da personalidade, conferindo segurança jurídica às relações sucessórias digitais”, avalia Russomanno.
O professor Marcelo Mazzola cita o projeto de reforma do Código Civil, que traz algumas disposições sobre o tema, mas não aborda todas as suas controvérsias, nem tampouco disciplina o procedimento. “Daí porque a recente decisão do STJ finca uma baliza importante. Essa sistemática serve de norte e pode ajudar a equalizar os interesses em jogo.”
Rodrigo Forlani Lopes, do Machado Associados, acrescenta que a proposta do novo Código Civil tem conceitos ainda vagos, como a ideia de valor economicamente apreciável, que já foi criticada por sua imprecisão. “Enquanto isso, a jurisprudência decide caso a caso, o que gera decisões díspares e falta de previsibilidade. A decisão do STJ é inovadora, mas não resolve essa lacuna e pode, inclusive, aumentar a litigiosidade.”
Caminhos possíveis
Esse cenário faz com que existam caminhos possíveis, mas não garantidos, para quem quiser preservar a própria intimidade por meio da restrição ao acesso a arquivos digitais após a morte. Aracy Barbara, sócia na área de Planejamento Patrimonial e Sucessório do VBD Advogados, cita três hipóteses:
— Incluir disposições expressas em testamento determinando a exclusão ou restrição de acesso, ou nomear um testamenteiro que tenha também poderes específicos para essa finalidade;
— Utilizar ferramentas das próprias plataformas digitais, como o Instagram, que permitem configurar o destino da conta, inclusive indicar um futuro responsável pelo perfil;
— Recorrer a criptografia ou softwares de autodestruição de dados, embora com limitações práticas e até jurídicas.
“Vale ponderar que as decisões do Judiciário ainda não conseguiram evoluir tão rapidamente quanto a expansão da tecnologia. Ademais, ainda não há a previsão sobre viabilidade de acesso a dados digitais em inventários extrajudiciais. Contamos apenas com projetos de lei em tramitação no Senado”, explica a advogada.
Felipe Russommano acrescenta que as principais plataformas digitais oferecem ferramentas específicas para gestão post mortem, como o Gerenciador de Conta Inativa do Google, as opções do Facebook para transformar perfis em conta memorial e o Contato de Legado da Apple.
Ainda assim, existem limitações importantes. Quando o conteúdo tiver valor patrimonial comprovado, não poderá ser simplesmente excluído. E, tecnicamente, backups automáticos em nuvem, dados em servidores estrangeiros e recuperação forense podem preservar informações mesmo se houver tentativa de exclusão.
Nada garante
“Para maximizar a proteção, recomenda-se uma abordagem combinada que inclua testamento específico com disposições claras, uso de criptografia, configuração adequada das ferramentas de gestão das plataformas, criação de contas separadas para conteúdos sensíveis e nomeação de pessoa de extrema confiança como inventariante digital. É fundamental observar que a eficácia dessas medidas pode ser questionada judicialmente”, diz Russomanno.
Bruno Batista, da banca Innocenti Advogados, confirma que é possível segregar os conteúdos digitais com antecedência, evitando que seja feita uma busca invasiva, ou ainda indicar no testamento a pessoa responsável pela segregação dessas informações e pelo arrolamento no inventário. Mas ele faz um alerta:
“Como ocorre com outros tipos de bens, evitar que as informações sejam acessadas para sempre e por quaisquer pessoas nos parece impossível. Se há registro de informação, essa informação será acessada invariavelmente, restando ao titular escolher de antemão por quem ela será acessada.”
REsp 2.124.424
Por: Consultor Jurídico
Conteúdos relacionados
Mais Acessadas
-
Concurso Público PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA MARGARIDA - MG - PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE INSCRIÇÕES
-
Câmaras municipais devem adotar ambiente virtual para deliberações
-
Gestores devem estar atentos ao calendário de envio das informações ao Sisab de 2020
-
Primeira parcela de recomposição do FPM será paga hoje (14/04) - veja valores por Município
Exclusivo para assinantes
Conteúdo exclusivo para assinantes, escolha uma opção abaixo para continuar:
Assine o jornal Grifon
Receba na sua caixa de e-mail as últimas notícias da área jurídica.