Hora da colheita: precedentes e os seus efeitos na Justiça Federal
É natural que assim seja, pois o Estado atende a uma clientela imensa, especialmente quando se fala de autarquias que têm como finalidade pagar benefícios previdenciários e sociais ou cobrar impostos. O primeiro caso trata do INSS, que atende a 40 milhões de beneficiários e recebe de 60 milhões de contribuintes. O segundo refere-se à Receita Federal e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que administram a cobrança de impostos no país e dialogam com uma massa de contribuintes que se contam aos milhões — só para ficar no básico, são 35 milhões de declarantes de imposto de renda pessoa física e mais 10 milhões de pessoas jurídicas (se considerarmos pessoas cadastradas, são 150 milhões de CPFs e 22 milhões de CNPJs).
Além dos litígios previdenciários e tributários, a Justiça Federal lida com questões administrativas, ambientais e até de consumo, sempre que essas ações envolvam órgãos da administração pública federal. E como se sai a Justiça na arbitragem dos conflitos entre a União e seus clientes? Em matéria tributária, sabe-se que os tribunais superiores costumam tender para o lado do Fisco. Pesquisa qualitativa feita pelo Anuário da Justiça Brasil 2025, considerando decisões do Supremo Tribunal Federal de maior impacto jurídico, social e econômico, mostra que 60% das decisões foram favoráveis ao Estado. No Superior Tribunal de Justiça, pesquisa com critério similar tendo como amostra decisões mais relevantes da 1ª Seção e de suas turmas, que julgam matéria tributária, o resultado foi semelhante: 56% favoráveis ao Fisco e 44% favoráveis ao contribuinte.
Segundo dados levantados pela Advocacia-Geral da União, de 26 temas tributários julgados pelos tribunais superiores em 2024, a PGFN saiu vitoriosa em 21 e parcialmente vitoriosa em duas. Em apenas três ações — revisão da vida toda (ADIs 2.110 e 2.111), correção do FGTS (ADI 5.090) e continuidade temporária de aterros sanitários (ADC 42) — evitaram um impacto negativo nas contas do governo da ordem de R$ 1 trilhão.
Na Justiça Federal, especificamente, os dados da AGU mostram um quadro diferente. A taxa de sucesso judicial, em 2024, foi de 42%. Entre 205 mil ações analisadas, o governo saiu vencedor em 85 mil.
Já os dados da Justiça Federal mostram que a sua produtividade nunca foi tão alta. Em 2024, apesar de o total de novas ações ter se aproximado dos cinco milhões de casos, juízes e desembargadores conseguiram o feito de julgar 52% processos a mais do que receberam. Os Juizados Especiais, sozinhos, aumentaram na mesma proporção o número de decisões. Somadas, as seis regiões produziram sete milhões de decisões. O ano também registrou queda na distribuição de casos novos (12%) e redução do acervo (11%). Trata-se de um novo cenário para esse ramo da Justiça.
Há 20 anos, quando o Conselho Nacional de Justiça começou a compilar estatísticas de todos os tribunais, chegaram pouco mais de um milhão de novos processos em toda a Justiça Federal, foram julgados 920 mil casos e o acervo somava 2,5 milhões de ações.
Não que demandas como aquelas que envolvem o INSS, o maior litigante do país, tenham deixado de se avolumar nos tribunais, como deixam claro as estatísticas dos TRFs compiladas neste Anuário da Justiça. A novidade é que as respostas oferecidas pela Justiça têm se mostrado mais eficientes. A aplicação de precedentes fixados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça tornou-se saída para escoar milhares de ações repetitivas.
A última vez que as decisões superaram o número de casos novos foi em 2022, mas por uma diferença bem menor, de apenas 2%. O acervo, que em 2023 chegou a 13,3 milhões de pendentes, caiu para 11,8 milhões em dezembro de 2024.
Parte desse resultado é consequência do enxugamento das ações recebidas pelos JEFs, onde tramita a fatia mais considerável de processos no primeiro grau. Foram 2,4 milhões de ações em 2024, ante 2,9 milhões no ano anterior — redução de 18%. Essa queda veio a reboque, especialmente, da decisão do STF de corrigir os saldos do FGTS garantindo, pelo menos, a reposição pela inflação (ADI 5.090). A aplicação da tese, com repercussão geral, não teve efeitos retroativos, o que estancou a chegada de nova enxurrada de ações desse tipo e abriu as comportas para que os seis TRFs vissem o seu acervo cair, em média, 11% em um ano — a primeira redução significativa desde 2018.
Até 2023, pedidos de mudança na correção dos saldos do FGTS se avolumaram de tal maneira que era o segundo tema mais frequente no primeiro grau da Justiça Federal, superando, inclusive, processos historicamente mais recorrentes, como aposentadorias por tempo de contribuição e por incapacidade. Naquele ano, quase 430 mil casos de correção do fundo foram distribuídos. Em 2024, no entanto, foram apenas 16 mil registrados — queda de 96%. A Suprema Corte reconheceu a inconstitucionalidade do uso exclusivo da TR (Taxa Referencial) para a atualização do saldo do FGTS. Como a TR é um índice que tende a zero, os ministros entenderam que a correção deve garantir, no mínimo, a reposição da inflação medida pelo IPCA, o índice de inflação aferido pelo IBGE. As novas regras, porém, só têm validade a partir da publicação do acórdão do julgamento, em junho de 2024.
Apenas essa decisão do Supremo resultou em 230 mil decisões nas instâncias inferiores. O TRF-3, que concentra o maior acervo desses processos, estabeleceu um fluxo especial de julgamentos e mira a baixa de mais de 500 mil ações até o fim de 2025. A 4ª Região criou uma central para analisar os casos, e proferiu 29 mil decisões em 2024. O TRF-1 julgou quase 60 mil ações sobre o tema nos últimos dois anos. Juntos, os seis tribunais aumentaram em 650% o volume de julgamentos desses casos, passando de 30 mil processos em 2023 para 230 mil.
O volume de casos julgados sobre o tema deve acelerar a partir de 2025: o Conselho da Justiça Federal passou a sugerir a criação de centrais de auxílio e processamento para os casos de correção monetária das contas de FGTS. A proposta tem como modelo a atuação do TRF-4, primeiro a adotar a criação de uma vara especializada para a questão.
Não foi o único caso de decisões vindas das cortes superiores que impactaram o movimento processual na Justiça Federal. Em um volume menor que na Justiça estadual, mas ainda relevante para o seu tamanho, estão as execuções fiscais de pequeno valor — que passaram a ser extintas de maneira acelerada depois da decisão do STF no Tema 1.184. Com a regulamentação pelo CNJ, houve aumento de 41% nos casos extintos pela JF, passando de 815 mil. Na Justiça Estadual, foram dezenas de milhões de casos encerrados.
Ainda hoje, o acervo de ações sobre o tema na Justiça Federal não diminuiu em um ritmo acelerado, como visto em outros ramos do Judiciário. Uma das razões está no fato de que a maior parte das execuções na esfera federal não trata especificamente de impostos, mas
de contribuições a entidades de profissões regulamentadas, como é o caso da engenharia, da medicina, da OAB. Como os TRFs ainda não consolidaram a jurisprudência sobre esses casos, é de se esperar que essas mudanças conjunturais na execução ainda sejam vistas nos próximos anos.
Outra tese fixada pelo STF que impactou significativamente os números da Justiça Federal foi a revisão de aposentadorias. Em março de 2024, a corte decidiu que aposentados não têm direito a chamada revisão da vida toda, que permitiria recalcular o benefício com base em contribuições anteriores a julho de 1994. A decisão reverteu entendimento anterior da própria corte e se deu nas ADIs 2.110 e 2.111, onde julgou constitucional e obrigatória a regra de transição da Lei 9.876/1999. O impacto foi imediato na Justiça Federal: milhares de ações
foram suspensas e julgamentos travados à espera de definição sobre a aplicação desse entendimento aos processos em curso. O número de novas ações sobre o tema caiu 74%, passando de 104 mil em 2023 para apenas 27 mil no ano seguinte.
No campo tributário, as ações filhotes da “Tese do Século”, decisão do Supremo que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins (Tema 69), continuam abarrotando os TRFs, mas indicam uma tendência de queda. O número de demandas envolvendo os assuntos “PIS” e “Cofins” na Justiça Federal chegou a 154,5 mil em 2023, um salto de 65% em relação ao ano anterior. Em 2024, porém, recuaram para 118,7 mil. Nesse tema, decisões do STJ, como a interpretação do conceito de insumos para fins de creditamento dos tributos (Temas 779 e 780), também têm influenciado os julgamentos, além de discussões sobre a exclusão de outros tributos da base de cálculo de PIS/Cofins, como o ISS, impactando o ritmo e o desfecho de ações semelhantes que chegam à Justiça Federal.
Historicamente, a Justiça Federal vem aumentando seu ritmo de trabalho. Uma análise dos dados publicados pelo Anuário da Justiça desde a sua primeira edição em 2012 mostra que as seis regiões aumentaram, em 14 anos, o volume de casos julgados em 125%. O que eram 3,1 milhões de decisões em 2011 se tornaram sete milhões de julgamentos em 2024, ante um aumento de 42% no número de casos distribuídos e um aumento de quase 50% no acervo.
Essas mudanças, no entanto, estão quase todas restritas ao primeiro grau — apesar do aumento no número de desembargadores e mesmo de regiões, o segundo grau não cresceu em produtividade: foram 669 mil casos em 2024, um aumento de 7% em relação aos 623 mil julgados em 2011. O volume de casos distribuídos cresceu menos de 1% e o acervo do segundo grau, de 1,2 milhão de casos, é 3,5% maior que no início da década passada.
Desembargadores ouvidos por este Anuário da Justiça ponderam, no entanto, que a situação é apenas uma fotografia do momento. A decisão do STF nos Temas 1.234 e 6, em setembro de 2024, ao definir que a Justiça Federal é competente para julgar ações sobre fornecimento de medicamentos com registro na Anvisa, mas fora das listas do SUS (quando o tratamento anual superar 210 salários mínimos), acendeu o alerta sobre o impacto dessa medida na litigiosidade futura. Atualmente, as ações que pleiteiam o fornecimento de medicamentos estão longe do topo dos temas mais demandados na varas e JEFs.
O STF também condicionou a concessão judicial, entre outros critérios, à comprovação da imprescindibilidade clínica do tratamento, inexistência de alternativa nas listas do SUS e parecer favorável do NatJus (plataforma do CNJ que emite pareceres técnicos para auxiliar decisões judiciais). Contudo, a aplicação rigorosa desses precedentes ainda não está pacificada nos tribunais. A 3ª Turma do TRF-3, por exemplo, identificou pareceres do Hospital Albert Einstein, que emite as notas aos juízes, com conclusões divergentes sobre o uso de um mesmo medicamento de alto custo para dois casos semelhantes. Em um deles, a nota foi favorável, destacando a eficiência e urgência do tratamento; no outro, foi desfavorável, por falta de evidências científicas robustas quanto à eficácia e segurança. “Se interpretarmos ao pé da letra as súmulas do STF, fica muito difícil conceder algum medicamento. Se houver comprovação científica nos autos, não me limito ao rigor das palavras da súmula [do STF]”, relatou o desembargador Carlos Delgado.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA FEDERAL 2025
ISSN: 2238107-4
Número de páginas: 236
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 8 de setembro de 2025, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br
ANUNCIARAM NESTA EDIÇÃO
Advocacia Fernanda Hernandez
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Bradesco S.A.
Cecilia Mello Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
De Rose Advogados
Dias de Souza Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
Febraban — Federação Brasileira dos Bancos
Fidalgo Advogados
Hasson Sayeg, Novaes e Venturole Advogados
Heleno Torres Advogados
JBS S.A.
Machado Meyer Advogados
Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia
Mauler Advogados
Milaré Advogados
Mubarak Advogados
Nelio Machado Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
Original 123 Comunicação
Pardo Advogados Associados
Refit
Warde Advogados
Por: Consultor Jurídico
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