Em consulta, TCE-PR esclarece critérios e requisitos para reequilíbrio contratual
Nos contratos administrativos, o direito ao reequilíbrio contratual decorre de aumento acima dos índices de correção estipulados no edital, que desconfigure a relação inicialmente pactuada e inviabilize a execução contratual. Para que seja reequilibrada a equação econômico-financeira do contrato, não existe um percentual definido de aumento ou montante específico.
Portanto, basta que o aumento tenha se originado de situação decorrente de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou "fato do príncipe". Assim, deve tratar-se de uma questão econômica extraordinária e extracontratual, nos termos do artigo 65, II, d, da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos).
Caso o contrato contenha alocação de riscos distribuídos entre a administração e o contratado, principalmente por meio de matriz de riscos, é preciso verificar se o fato gerador do desequilíbrio foi atribuído como responsabilidade de algum dos contratantes, ocasião em que o responsável deverá assumir suas responsabilidades e eventuais prejuízos. Isso também se aplica aos contratos decorrentes da Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações), conforme previsto em seu artigo 124, II, d.
Dessa forma, a repartição objetiva dos riscos no contrato deve ser respeitada em eventual reequilíbrio econômico-financeiro; e, se esses riscos forem concretizados, não será possível a realização do reequilíbrio contratual, salvo em situações excepcionais.
Não há uma listagem definitiva dos documentos que devem ser apresentados pelos contratados para a demonstração do desequilíbrio contratual. Apenas por meio da análise do caso concreto, nos termos do contrato, das características de seu objeto e da situação que gerou o desequilíbrio, é possível avaliar quais são os documentos necessários.
No entanto, a documentação deve demonstrar a situação caracterizadora do desequilíbrio e seus impactos diretos e indiretos na contratação, com base nas características da proposta apresentada pelo contratado na licitação em relação à prática de mercado à época, inclusive eventuais percentuais de descontos ofertados à administração.
Assim, deve ser verificado o equilíbrio inicial do ajuste; e caracterizada a situação do desequilíbrio por meio de planilha de formação dos preços e o seu comparativo com a prática do mercado, com a demonstração de que, no cálculo do reequilíbrio, estão sendo consideradas as vantagens oferecidas à administração ao tempo da celebração do contrato.
Para comprovar os valores atuais de mercado dos componentes dos custos que resultem em desequilíbrio, os contratados devem comprovar a aquisição dos insumos, como notas fiscais. Além disso, devem demonstrar a sua compatibilidade com os valores praticados no mercado, por meio, por exemplo, de cotações oficiais disponibilizadas nas tabelas do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices (Sinapi) e do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro).
No entanto, não é possível reequilibrar o contrato em relação ao seu valor residual, uma vez que os fatos que originaram o desequilíbrio contratual podem não se manter no restante de sua execução, ou podem ocorrer novas variações nos preços de seus custos, para mais ou para menos. Assim, os contratos devem ser reequilibrados em relação às parcelas já prestadas pela contratada, de acordo com a metodologia supracitada.
Além disso, a avaliação do desequilíbrio contratual deve considerar todos os itens de custos do contratado, tanto os que tiveram aumento quanto os que tiveram diminuição de preços, para a aferição do equilíbrio geral em relação ao inicialmente pactuado.
Não é possível a aplicação de qualquer média ou índice para a manutenção do equilíbrio contratual. A análise deve ser realizada a cada caso, para que seja determinado exatamente o custo suportado pelo contratado e a sua adequabilidade ao praticado no mercado. Vale lembrar que a equação financeira do contrato é estabelecida na data de apresentação da proposta do contratado, ou seja, somente variações supervenientes à apresentação de sua proposta podem justificar o pedido de reequilíbrio contratual.
O desconto aplicado na proposta inicial apresentada pelo contratado deve ser mantido e reaplicado após a correta verificação dos valores atuais de mercado dos custos empregados na execução contratual, em termos percentuais, para fins de manter a equação de equilíbrio inicialmente ajustada.
O contratado deve demonstrar se o fato que originou o desequilíbrio também atingiu os itens referentes a Benefícios e Despesas Indiretas (BDI). Como são vários itens, deve ser demonstrado e comprovado o impacto financeiro em cada um dos seus componentes, assim como ocorre com a planilha de custos objeto do reequilíbrio contratual; ou o nexo do respectivo componente da BDI com os itens de custos que motivaram o reequilíbrio contratual. Somente assim esses itens poderão ser objeto de reequilíbrio.
Caso os orçamentos de referência das licitações estejam desatualizados, é necessário que a administração os atualize, pouco antes da publicação do edital, para que reflitam as realidades presentes no mercado, principalmente se as variações de mercado têm ocorrido de modo corriqueiro.
No entanto, tal fato não descaracteriza a responsabilidade dos licitantes em apresentar suas propostas de acordo com os preços praticados no mercado, que devem adotar todas as diligências para que seus preços reflitam os custos vigentes na data de sua apresentação, sendo de sua responsabilidade a eventual defasagem de preços apresentados no momento da licitação.
Eventuais pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro realizados no momento da formalização dos contratos somente podem levar em consideração fatos supervenientes à apresentação das propostas, nunca fatos anteriores, sobre os quais o licitante deveria ter conhecimento no momento da apresentação das propostas.
Os preços dos insumos da construção civil para fins de reequilíbrio contratual são aqueles efetivamente pagos pelo contratado e devidamente comprovados, por exemplo, por meio de notas fiscais. Além disso, esses preços devem ser condizentes com o praticado no mercado. Portanto, a administração deve averiguar a sua compatibilidade, por meio de consulta a tabelas oficiais do Sinapi e do Sincro, ou por outros meios idôneos que reflitam devidamente os valores praticados.
Além disso, no momento da aferição do desequilíbrio, inclusive em épocas de elevação extraordinária de preços dos insumos, devem ser feitas as adequações necessárias nas tabelas oficiais do Sinapi e do Sincro, com a utilização das tabelas referentes ao período de cumprimento das obrigações que demandam a revisão contratual.
Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Maringá, por meio da qual questionou a respeito de reequilíbrio contratual de contratos de obras públicas, com o intuito de esclarecer a padronização de critérios e metodologias para análise dos desses procedimentos.
Instrução do processo
Em seu parecer, a Procuradoria do Município de Maringá entendeu que é passível de reequilíbrio a variação de custo superior à variação do índice de correção contratual, mas que o contrato deve ser analisado globalmente. Além disso, apontou que as notas fiscais de aquisição de insumos podem ser utilizadas para a demonstração dessa variação, o que não dispensa as necessárias cotações oficiais para a aferição da legitimidade dos valores.
O parecer da assessoria jurídica do consulente também afirmou que somente é possível realizar o reequilíbrio em relação às obrigações já cumpridas pela contratada, mediante a efetiva demonstração da alta extraordinária dos custos; e que é vedada a análise pontual dos itens suscitados, pois o exame do desequilíbrio deve considerar a equação financeira geral do contrato.
A procuradoria municipal ressaltou, ainda, que a equação financeira do contrato é estabelecida na data de apresentação da proposta e, portanto, devem ser aplicados os mesmos critérios da proposta em relação ao desconto. E acrescentou que eventual defasagem do orçamento deve ser suscitada pelos licitantes antes da apresentação das propostas e, caso pertinente, o orçamento deve ser revisado. Assim, concluiu que somente variações extraordinárias supervenientes à proposta podem justificar o reequilíbrio contratual.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que um aumento geral de valores contratuais com base em índices inflacionários, ainda que setorizados, não justifica o reequilíbrio econômico-financeiro; e, quanto aos questionamentos, acompanhou o opinativo da Procuradoria do Município de Maringá.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) entendeu que não há, na doutrina e jurisprudência, parâmetro de impacto ao contrato que justifique o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro; e não é possível indicar um rol de documentos aptos a demonstrar o desequilíbrio. Também afirmou que o contratado deve requerer à administração pública o reequilíbrio devidamente justificado, instruído com o apontamento da ocorrência de caso fortuito, força maior, "fato do príncipe" ou fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis. O "fato do príncipe" se caracteriza como ato estatal, característico de uma decisão de autoridade, que repercute em uma relação jurídica existente, dando causa a um dano ou prejudicando o curso normal de seus efeitos.
Além disso, o órgão ministerial salientou que o reequilíbrio não pode ser automático e abrange os itens ou atividades que sofreram variação de custo; a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro deve restringir-se ao pedido do contratado; e os sistemas de preços de insumos apenas podem ser utilizados como subsídio à decisão de concessão do reequilíbrio.
O MPC-PR expressou, ainda, que não é possível a adoção de índice de preços para a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro; e a incidência do reequilíbrio contratual deve recair em cada item ou atividade prevista na proposta comercial, cuja data de entrega é o termo inicial para a análise do reequilíbrio contratual.
Legislação e jurisprudência
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O artigo 65, II, d, da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) estabelece que os contratos administrativos poderão ser alterados, com as devidas justificativas, por acordo das partes, para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou "fato do príncipe", configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
O item d do inciso II do artigo 124 da Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos) fixa que os contratos administrativos poderão ser alterados, com as devidas justificativas, por acordo entre as partes, para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou "fato do príncipe" ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.
O Acórdão nº 3420/17 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 460995/16) expressa que "a inexistência de discricionariedade por parte da administração pública frente à provocação do contratado e à comprovação, por parte deste, das referidas hipóteses do artigo 65. Estando estas devidamente caracterizadas, bem como detalhado e quantificado o impacto do fato superveniente, é direito do contratado e dever da contratante a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do ajuste firmado".
Decisão
O relator do processo, conselheiro Fernando Guimarães, lembrou que o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é direito subjetivo do contratado e da administração pública. Ele frisou que esse instituto está de acordo com as disposições do artigo 37, XXI, da Constituição Federal, que determina que devem ser mantidas as condições efetivas da proposta durante toda a execução contratual.
Guimarães destacou que o equilíbrio econômico-financeiro é a relação de igualdade formada pelas obrigações assumidas pelo contratado e pela compensação econômica a ser paga pela administração. Assim, quando algum dos lados da balança se altera é necessário o restabelecimento do equilíbrio negocial, para a manutenção das condições materiais da proposta que serviu de fundamento à contratação.
O conselheiro ressaltou que a revisão visa restabelecer o equilíbrio contratual na ocorrência de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou "fato do príncipe", com a configuração de situação econômica extraordinária e extracontratual, conforme prevê a Lei nº 8.666/93.
O relator reforçou que, conforme disposto no Acórdão nº 3420/17 - Tribunal Pleno do TCE-PR, caso seja comprovada a ocorrência das hipóteses que causam desequilíbrio contratual por parte do contratado, a administração deve revisar os termos acordados, para reequilibrar o ajuste, em atendimento às disposições da Constituição Federal e na Lei de Licitações.
O relator salientou que a revisão contratual somente pode ocorrer de acordo com as peculiaridades do caso concreto; ou seja, devem ser analisados, a cada caso, os contratos e os impactos do evento imprevisível ou de consequências incalculáveis que desequilibram sua equação econômico-financeira. Assim, não é possível a utilização de determinado índice geral de preços ou inflacionário, mesmo que seja específico de determinado mercado ou categoria de insumos.
Guimarães frisou, ainda, que em cada caso deve ser analisada a alocação de riscos distribuídos entre a administração e o contratado, principalmente por meio da matriz de riscos estabelecida no contrato, para verificar que é o responsável pelo evento, hipótese em que o risco já estaria devidamente precificado no momento de celebração do contrato e não poderia ser invocado como fato econômico extraordinário e extracontratual por qualquer das partes.
O conselheiro explicou que a realização do reequilíbrio contratual por meio da revisão demanda solicitação formal do contratado à administração, com a indicação do evento, inclusive com a demonstração pormenorizada de seu impacto na planilha de composição de preços que serviu de base para a celebração do contrato
Finalmente, o relator afirmou que devem ser considerados no cálculo do reequilíbrio contratual os descontos realizados pelo contratado em relação ao preço de mercado ao tempo da sua proposta, para que a administração mantenha as vantagens da proposta vencedora da licitação durante toda a execução contratual.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão de plenário virtual nº 3/22 do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 17 de março. O Acórdão nº 544/22 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 23 de março, na edição nº 2.734 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 1º de abril.
Por: Tribunal de Contas do Estado do Paraná
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