Gestão municipal em tempos de pandemia
Os Prefeitos são gestores públicos que têm suas atividades fiscalizadas pelo Tribunal de Contas.
Nesse específico âmbito de jurisdição, compete ao Ministério Público de Contas a defesa da ordem jurídica, atuando como fiscal da correta execução da lei, cumprindo-lhe assegurar a concreta observância, pela Administração Pública, dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No decorrer do exercício de suas atividades (que, iniciadas em 2012, completam uma década este ano), o Ministério Público de Contas de São Paulo pôde identificar reiterada ocorrência de determinadas falhas administrativas, as quais têm se reproduzido em diferentes municípios, comprometendo irremediavelmente as prestações de contas dos respectivos chefes dos poderes executivos municipais.
Tal percepção ganha relevo na medida em que o controle externo no âmbito municipal é o que se coloca mais próximo da realidade vivenciada pelo cidadão – destinatário final das políticas públicas –, razão pela qual referida esfera governamental tem recebido especial atenção por parte do órgão ministerial.
É bem verdade que não são poucos os desafios enfrentados pelos gestores municipais: se é complexo presidir uma empresa, atividade que reclama amplo conhecimento acerca de um específico ramo de atuação, o que dizer da condução de um município, incumbência que envolve gestão de áreas tão distintas (como, por exemplo, Ensino, Saúde e Infraestrutura, dentre outras) e emprega, para sua manutenção e desenvolvimento, recursos públicos, sobre os quais incidem limites e restrições legais não experimentados pela iniciativa privada.
Não bastassem os já conhecidos entraves, as dificuldades de outrora restaram potencializadas em virtude das externalidades negativas oriundas da pandemia causada pela COVID-19, tais como a diminuição da atividade econômica, a elevação do desemprego e o significativo aumento de gastos na área da Saúde.
Diante dessa preocupante conjuntura, faz-se necessário redobrar os cuidados para evitar que as contas anuais sejam reprovadas e, a partir de diretrizes seguras e resultados verificados em exercícios anteriores, detectar os pontos mais sensíveis que devem merecer especial atenção por parte do gestor municipal.
Nesse sentido, vale destacar, inicialmente, a importante atividade pedagógica há muito desenvolvida pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, voltada a orientar tecnicamente os gestores públicos sobre matérias que são objeto de apreciação pela referida Corte.
Parte dessa iniciativa consubstancia-se na edição de manuais básicos versando sobre os mais diversos temas que envolvem a Administração Pública, cujo principal objetivo é o aprimoramento da atuação dos jurisdicionados. Por meio de tais compêndios, o Tribunal aborda procedimentos afetos ao dia a dia do administrador público, trazendo inúmeras sugestões de boas práticas de gestão financeira à luz das normas legais incidentes e da sua própria jurisprudência. Os referidos manuais encontram-se disponíveis em https://www.tce.sp.gov.br/publicacoes.
Outra ação pedagógica igualmente relevante é a realização anual de encontros periódicos com agentes políticos e dirigentes municipais, iniciativa da qual o Ministério Público de Contas invariavelmente tem participado e que, em 2022, completará 26 anos, tendo se desenvolvido com reconhecido sucesso ao longo do tempo, sobretudo porque proporciona aos fiscalizados o aprofundamento de diferentes assuntos, muitas vezes controversos, oportunidade em que é possível, inclusive, esclarecer dúvidas de ordem prática.
Além dessas valiosas ferramentas de aperfeiçoamento da gestão, é possível arrolar algumas práticas que, à luz de experiências pretéritas, estão a reclamar maior vigilância por parte dos gestores públicos, já que, com certa frequência, têm ensejado pronunciamentos ministeriais desfavoráveis à aprovação das contas anuais:
• insuficiente aplicação de recursos na educação infantil e no ensino fundamental;
• aplicação inferior ao limite legal dos recursos do Fundeb na remuneração dos profissionais do magistério;
• despesas com pessoal superiores a 54% da receita corrente líquida;
• não aplicação dos percentuais mínimos exigidos em ações e serviços de Saúde;
• atingimento de resultado negativo da execução orçamentária sem amparo em superávit financeiro do exercício anterior;
• ausência de recolhimento tempestivo dos encargos sociais, aumentando a dívida municipal e onerando os cofres públicos pela incidência de multas e juros;
• descumprimento das obrigações inerentes ao regime de pagamento de precatórios;
• inobservância aos artigos 21 e 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, dentre outros.
Obviamente, não se trata de rol exaustivo, mas permite aos gestores divisar algumas das principais falhas que devem ser evitadas para que seus demonstrativos não sejam reprovados, valendo lembrar que o exame das contas anuais possui consequências gravosas, podendo acarretar ao responsável, além de sanções de ordem pecuniária, como devolução de quantias e aplicação de multas, medidas restritivas de direitos, como é o caso, por exemplo, da declaração de inelegibilidade.
Todos esses aspectos ganham ainda mais relevo no contexto atual, em que, conforme dito alhures, os orçamentos encontram-se fragilizados ante os reflexos da malfadada pandemia.
Por conseguinte, mais do que nunca a gestão responsável faz-se necessária, buscando-se economia especialmente no que toca a despesas não essenciais, tais como viagens, propaganda institucional, aquisição de veículos, horas extras e outros tantos dispêndios que não se justificam em períodos de grande restrição como o atual.
Ao invés de gastos desta natureza, as atenções deverão estar voltadas à solução de questões que, em decorrência do grande surto, viram-se agravadas, como é o caso da demanda reprimida na Saúde, que certamente restará majorada, dentre outros fatores, pelo empobrecimento de considerável parcela da população, que agora passará a procurar o sistema público; da mesma forma, mesmo no pós-pandemia, a demanda por creches e a recuperação do prejuízo educacional serão grandes desafios no eixo do ensino, tanto em termos logísticos quanto pedagógicos.
O momento histórico reclama, portanto, comprometimento fiscal e vontade política, daí porque espera-se que a grave crise de Saúde Pública ora enfrentada possa, ao menos, trazer reflexos positivos no âmbito administrativo, permitindo o aprimoramento da gestão municipal e o uso responsável dos recursos públicos.
* Thiago Pinheiro Lima é Procurador-Geral do Ministério Público de Contas de São Paulo.
Por: Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
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