Instituição de ensino é condenada após dispensar professor com transtorno bipolar
A juíza Luciana de Carvalho Rodrigues, titular da 2ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, determinou que uma instituição de ensino reintegre ao emprego um professor portador de transtorno bipolar que foi dispensado, sem justa causa, no mesmo dia em que retornou de licença médica.
Além do pagamento dos salários do período entre a rescisão contratual e a efetiva reintegração, a instituição foi condenada a pagar ao trabalhador indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil, diante da configuração de dispensa discriminatória. A julgadora, no entanto, rejeitou a pretensão de indenização por danos morais fundamentada na alegação de que o transtorno bipolar teria relação com o trabalho e que configuraria estabilidade acidentária.
O professor foi contratado em 30/9/2019 e dispensado em 22/7/2020. Na ação, ele alegou ter enviado mensagens à instituição no final de maio de 2020, informando o agravamento do quadro de ansiedade crônica, depressão e transtorno do pânico. Com isso, buscava ser “tratado com humanidade e não como uma máquina, visando à salvaguarda do emprego”. Segundo o trabalhador, nas mensagens, ele relatou toda a situação psiquiátrica vivenciada desde 2014 e pediu “socorro” e “atenção especial” à empregadora. No início de junho, enviou novas mensagens, desta vez informando que se afastaria para tratamento e anexando atestado médico.
O trabalhador informou que o benefício previdenciário cessou em 14/7/2020, data em que novamente enviou mensagens à instituição pedindo apoio para retornar a lecionar. Relatou que, no dia 21/7/2020, recebeu mensagem do departamento de recursos humanos convocando para o retorno ao trabalho em 22/7/2020. Realizou exame e foi declarado apto. Entretanto, no mesmo dia, foi comunicado da dispensa sem justa causa.
Ao se defender, a instituição sustentou que a dispensa se deu por questões internas. Afirmou que o professor apresentava dificuldades para seguir os procedimentos estabelecidos e recebeu reclamações de alunos quanto à atuação dele. E que, embora houvesse ofertas de cursos em que seriam ministradas matérias relacionadas à área de atuação do autor, não houve número suficiente de matrículas para formação de turmas.
Dispensa discriminatória
Na sentença, a juíza reconheceu a dispensa discriminatória. Ao caso, aplicou a Súmula 443 do TST, que presume “discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego".
Perícia determinada pelo juízo concluiu, após exame clínico e avaliação de documentos médicos anexados ao processo, que o trabalhador possui quadro de transtorno afetivo bipolar. A julgadora observou que, com o início da pandemia, o profissional viu piorar seu quadro clínico e se afastou do trabalho em virtude de licença médica concedida por tempo considerável. Segundo a magistrada, embora ele tenha esclarecido seu quadro clínico à empregadora e demonstrado interesse em lecionar, isso não foi considerado pela instituição.
Ficou demonstrado que o professor recorreu da decisão do INSS que concedeu o benefício até 14/7/2020. O perito informou que ele se encontrava em gozo de benefício previdenciário no momento da perícia. Ficou constatado ainda que a instituição majorou o número de aulas em 2020, o que, para a juíza, demonstra que o empregado teria atendido de forma satisfatória às expectativas da instituição.
Com base na cronologia dos acontecimentos e nas circunstâncias apuradas, a magistrada concluiu que a dispensa se deu em virtude da enfermidade e foi, portanto, discriminatória. Por esse motivo, condenou a instituição a reintegrar o professor ao emprego e a pagar as verbas pertinentes, tudo conforme critérios definidos na sentença.
Alegações da defesa refutadas
As alegações da defesa para tentar justificar a dispensa foram todas refutadas. Como, por exemplo, que o empregado não teria preenchido de forma correta o plano de curso e teria havido reclamação quanto à forma de ensino de determinada matéria por alguns alunos.
De acordo com a magistrada, não há como desconsiderar o momento de grande tensão que o país atravessava, em plena pandemia, e o momento pessoal em que se encontrava o trabalhador, já afetado pelos transtornos característicos da enfermidade da qual padece e que foram agravados.
Além do mais, alcançar a unanimidade entre os alunos é tarefa quase impossível, motivo pelo qual, na visão da julgadora, caberia à coordenação pedagógica avaliar se as reclamações de alguns alunos encontravam, de fato, respaldo na atuação real do professor. Entretanto, essa averiguação não foi noticiada no processo. “A enfermidade sequer foi considerada como elemento capaz de relativizar as consequências das queixas”, registrou.
Danos morais
A instituição foi condenada ainda a pagar indenização por dano moral de R$ 10 mil. Na avaliação da juíza, é “presumível o sentimento de tristeza e humilhação em face da dispensa em momento de grande abalo emocional, decorrente da própria doença”.
Na sentença, foi pontuado que o princípio fundamental do ordenamento jurídico é o da dignidade da pessoa humana, que deve ser preservada em todos os aspectos, inclusive nas relações de trabalho. Destacou-se que os poderes do empregador no contrato de trabalho, ainda que autorizados em lei, encontram seus limites nos princípios e normas constitucionais que devem ser respeitados.
Relação com o trabalho não provada
A perícia afastou a relação entre a enfermidade e o trabalho. O perito tampouco encontrou elementos suficientes para caracterização de assédio moral. Segundo o apurado, o professor iniciou tratamento psiquiátrico antes mesmo de ser contratado, tratando-se de doença de perfil crônico, conforme provas do processo.
Para a julgadora, cabia ao trabalhador provar que as atividades desempenhadas agravaram a enfermidade, o que não fez. Ela ponderou que, com o início da pandemia, em março de 2020, as atividades presenciais da instituição foram suspensas e os professores passaram a atuar de forma remota, realidade que afetou toda a sociedade.
“Não há como atribuir culpa à instituição por tal situação, consequência da pandemia, que, repita-se, colheu a todos de surpresa, inclusive o governo, cujas medidas para contenção da disseminação do vírus se deram de acordo com o progresso dos estudos a respeito do tema”, expôs na sentença.
Por não identificar no processo qualquer atitude por parte da instituição que provasse a responsabilidade direta ou indireta pelo agravamento do quadro do trabalhador, a magistrada julgou improcedentes os pedidos que envolviam a alegação de que o transtorno bipolar teria relação com o trabalho. Em grau de recurso, os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG confirmaram a sentença. O processo foi enviado ao TST para análise do recurso de revista.
Por: Tribunal de Justiça do Trabalho da 3° Região (MG)
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