MPPR - Tribunal determina que o Município de Araucária crie vagas em creches e pré-escolas
A determinação atende ação civil pública proposta em março do ano passado pela promotora de Justiça Leidi Mara Wzorek de Santana, de Araucária, e está alinhada aos objetivos da campanha “100% Pré-Escola e Creche para Todos”, iniciativa do MP-PR lançada em junho deste ano, uma das ações do projeto estratégico institucional que pretende estimular a ampliação de vagas na educação infantil.
De acordo com o relator, desembargador Luís Carlos Xavier, ao dar efetividade à determinação contida nessa decisão, “o Município estará cumprindo o seu dever constitucional e priorizando a infância e a maternidade, e simultaneamente cumprindo a lei orçamentária e a lei de responsabilidade fiscal”. (Apelação Cível n.º 758095-0)
O julgamento foi realizado em 26 de julho e presidido pelo desembargador Abraham Lincoln (sem voto). Participaram da sessão a juíza substituta em 2º grau Astrid Maranhão Carvalho Ruthes e o desembargador Guido Döbeli, que acompanharam o voto do relator.
A íntegra do acórdão deve ser disponibilizada nos próximos dias.
Leia a seguir o voto do relator, conforme divulgado pelo TJ-PR:
“Da impessoalidade: Em que pese a alegação de parcialidade e ausência de isenção do julgador singular na presente lide, o apelante não apontou a existência de efetivo prejuízo, requisito que não se confunde com a mera procedência da ação civil pública. E o simples fato de o julgador singular ter declarado sua suspeição para atuar em outro processo em que é parte o atual Procurador-Geral do Município de Araucária, em nada afeta o julgamento desta ação, pois que, nesta, nada foi alegado nesse sentido.
Assim, a insurgência deve guardar relação com eventual suspeição ou impedimento do respectivo julgador, o que não foi levantado no curso do processo. Afasta-se, portanto, essa preliminar.”
“Do cerceamento de defesa - julgamento antecipado: Inicialmente necessário consignar-se não haver nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois o processo está bem instruído, contendo toda a documentação capaz de propiciar a análise das questões que foram levantadas pelas partes, sendo que os aspectos fáticos e jurídicos foram devidamente analisados, independentemente da realização de outras provas.”
“Com efeito, os elementos constantes nos autos foram suficientes para formar o convencimento do julgador, não constituindo o julgamento antecipado violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa, pois não ocorre cerceamento de defesa quando a matéria, por sua natureza, prescinde da realização de outras provas além das que já constam dos autos.”
“Nestes termos, não há que se falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, pois ao proferi-la o julgador demonstrou quais foram as razões que o levaram ao seu convencimento, ressaltando-se que ao proferir uma decisão o juiz deve demonstrar as razões de seu convencimento, não estando, no entanto, obrigado a responder ponto a ponto a todas as alegações da parte, se já encontrou motivo suficiente ao seu livre convencimento. Ressalte-se que o juiz é o destinatário das provas (art.130, CPC), tendo por dever legal evitar qualquer expediente protelatório na solução da lide e, nesta linha, havendo elementos de convicção suficientes, o julgamento na forma do art. 330, I, do CPC, se impõe.”
“Da inépcia da inicial e carência da ação: Ao contrário do alegado, também inocorre inépcia da inicial e carência da ação.A questão da inépcia da inicial foi devidamente esclarecida pelo julgador singular:‘Primeiramente, como se pode observar pelos documentos carreados na inicial, a presente ação não possui apenas embasamento em ‘denúncias anônimas’, mas sim em diversos documentos, inclusive alguns emitidos pelo próprio Município de Araucária, os quais comprovam a efetiva necessidade de criação de vagas em creches no município, conforme consta às fls. 297/298. Assim, não é possível afirmar que a petição inicial é inepta, pois o próprio requerido informou que há um déficit em vagas, inclusive indicando números precisos das crianças destinatárias da ação.’ (sentença, fls. 1156).”
“E, no presente caso, também não se verifica a carência da ação, pois o interesse processual foi demonstrado pelo Ministério Público, que pretende sejam criadas novas vagas em creches do Município para suprir as necessidades da população. Sendo este pedido, é juridicamente possível, na medida em que não há óbice em nosso ordenamento acerca da pretensão.”
“Da incompetência absoluta do Juízo: A questão da competência para julgamento da presente lide já foi objeto de discussão no Agravo de Instrumento nº 698708-2, interposto pelo ora apelante, e neste restou decidido que a competência para julgamento desta ação civil pública é do juízo da Vara de Infância e Juventude, eis que sua matéria remete à garantia e salvaguarda dos direitos constitucionalmente garantidos às crianças e adolescentes, cujo julgamento, via de consequência, deve ser presidido pela autoridade judiciária respectiva, conforme dispõe a legislação pertinente.”
“Do mérito: As questões de mérito merecem acolhida somente no tocante à necessidade de se ampliar o prazo para que seja dado cumprimento à sentença, como adiante será demonstrado.”
“Prefacialmente, é de se esclarecer que o Poder Judiciário não invade a competência do Executivo e Legislativo quando determina a implementação de políticas públicas constitucionalmente previstas, como é o caso dos autos.”
“De fato. O artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal estabelece ser dever do Estado garantir a educação infantil em creches e pré-escolas; e o artigo 54, IV do Estatuto da Criança e do Adolescente também estabelece o mesmo dever para o Estado.”
“Assim, não há que se falar em invasão de competência do Poder Judiciário, pois este está apenas garantindo direitos constitucionalmente e legalmente previstos àqueles a quem estes direitos se destinam.”
“E, ainda, quando do julgamento do agravo de instrumento nº 675154-6, interposto pelo ora apelante em face da decisão que concedeu a liminar nos presente autos, restou esclarecido o porquê da manutenção da liminar que foi agora confirmada pela sentença.”
“Desta feita, como as razões de mérito do presente são basicamente as mesmas alegadas naquele recurso, entendo ser oportuna a transcrição de parte da decisão ali proferida, pois muito bem justifica acerca da necessidade de se impor ao Município o dever de ampliar as vagas ofertadas em suas creches: ‘Não se nega, inicialmente, que, em regra, a atribuição para decidir qual o destino a ser dado às verbas públicas, que, como é sabido, não são suficientes para o atendimento de todas as demandas sociais, compete ao chefe do poder executivo, que, inclusive, é eleito pelo voto popular, vale dizer, é escolhido pelos próprios munícipes para, durante um certo período de tempo ¬ mandato ¬, administrar o município. Ocorre, entretanto, que o dever de garantir a educação infantil é indisponível, ou seja, não pode o chefe do poder executivo, por mais que tenha sido eleito pelo povo, deixar de tomar medidas concretas para assegurar a todas as crianças do município o acesso à educação infantil. Não pode, sob o manto da conveniência e oportunidade, deixar de lado esse dever constitucional em prol de outros serviços públicos. O Estatuto da Criança e do Adolescente ¬ Lei nº 8.069/90 ¬, em seu Capítulo VII, ao tratar da proteção dos interesses individuais, difusos e coletivos das crianças e adolescente deixa claro, no art. 208 e seguintes, ser possível a propositura de ações judiciais, inclusive pelo Ministério Público, para assegurar o exercício dos direitos previstos no próprio estatuto, dentre eles o de que as crianças de zero a seis anos de idade sejam atendidas em creches e pré-escolas, fazendo expressa menção a ações de obrigação de fazer’.”
“Pelas normas antes transcritas, constata-se que, além de o Ministério Público ter legitimidade para propor demandas judiciais que tenham por finalidade garantir o exercício dos direitos indicados no art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre eles o de que todas as crianças, entre zero e seis anos de idade, sejam atendidas em creche e pré-escola (art. 208, inc. III), não só é lícita a propositura de ação de obrigação de fazer - hipótese dos autos - como também o deferimento de medida liminar (art. 213, § 1º).”
“Ao lado de tudo que foi exposto, constata-se, da leitura dos autos que o Município de Araucária, embora afirme que incluiu na Lei do Orçamento de 2009, que será executado no ano de 2010, verbas para a construção de cinco novas creches, que não serão suficientes para o atendimento da demanda, não vem dando a devida atenção ao ensino fundamental, tanto que, nos autos, há diversas solicitações dirigidas ao Município de Araucária, ora agravante, seja pelo próprio Ministério Público seja pelo Conselho Tutelar local, de que sejam abertas vagas em creches para que crianças, que são individualizadas nestes requerimentos, possam ser atendidas nessa importante fase da vida (fls. 49/328). Se estivesse dando atendimento às demandas relacionadas ao ensino fundamental não haveria um grande número de pedidos de abertura de vagas.”
“Ainda demonstrando a desatenção do Município de Araucária com o oferecimento de creches e pré-escolas às crianças que lá residem, há nos autos Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta celebrado entre o anterior prefeito e a digna representante do Ministério Público, por meio do qual o Município de Araucária, reconhecendo o déficit relacionado ao número de vagas em creches e pré-escolas, assumiu o compromisso de providenciar a abertura de setecentas e três (703) vagas ¬ quinhentas e sessenta e duas (562) em creches e cento e quarenta e uma (141) em pré-escola, ainda no ano de 2008, o que, entretanto, por ele não foi cumprido - esse fato, embora afirmado pelo Ministério Público, não foi refutado pelo ora recorrente.”
“Ora, restando demonstrado que no Município de Araucária há, como indicado na petição inicial da ação civil pública proposta pelo Ministério Público, um elevado déficit no número de vagas existentes nas creches e pré-escolas municipais - o número referente ao déficit indicado pela Dra. Promotora de Justiça não foi refutado pelo ora recorrente, presumindo-se, portanto, verdadeiro -, certo que se mostrava lícito à magistrada determinar providências concretas para que esse problema fosse solucionado, ainda mais que o direito das crianças terem acesso a creches e pré-escolas constitui direito constitucionalmente assegurado (art. 208, inc. IV, da Constituição Federal).”
“Outrossim, é de se registrar que o próprio apelante afirma ter sido programado para o orçamento de 2010 a construção de mais 5 CEMEIs, que equivale em torno de 800 vagas para crianças de zero a seis anos de idade, ou seja, suprirá aproximadamente metade das necessidades atuais.
Assim, constata-se que é possível ao apelante dar cumprimento integral à determinação contida na sentença, necessitando somente de ter um prazo maior, pois se já foi incluído no orçamento de 2010 a previsão de construção de mais 5 CEMEIs, cabe ao Município incluir também no próximo orçamento a previsão para construção de outros 5 CEMEIs, e com isso abrir mais 800 vagas.”
“Desta forma, é de se dar parcial provimento ao recurso, tão somente para o fim de ampliar o prazo para cumprimento da determinação, atendendo assim os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, nos seguintes termos: a) que o Município de Araucária, no prazo máximo de 12 meses, após conclusão das licitações, promova o atendimento em creche e pré-escola, em período integral a, no mínimo, 746 (setecentos e quarenta e seis) crianças, o que representa 50% do número de infantes em lista de espera; b) que o Município de Araucária, após previsão no próximo orçamento, no prazo máximo de 12 meses depois de concluída a licitação, crie e implante, no mínimo, mais 745 (setecentos e quarenta e cinco) vagas em creches e pré-escolas para atender pelo menos a demanda conhecida pelo Município.”
“Desta forma o Município estará cumprindo o seu dever constitucional e priorizando a infância e a maternidade, e simultaneamente cumprindo a lei orçamentária e a lei de responsabilidade fiscal”, finalizou o desembargador relator.
Por: Ministério Público do Paraná
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