Série DPU na COP30 | Parques de energia renovável na Paraíba: pra ser bom, tem que ser bom para todo
Paraíba - No Nordeste brasileiro, em regiões onde o vento sopra forte e o sol (quase) nunca falha, torres eólicas e painéis solares passaram a compor, ao longo dos anos, a paisagem do semiárido. Esse desenho parece anunciar um futuro verde e em diálogo com os desafios da emergência climática mundial. Mas esse cenário revela um conflito entre discurso e realidade. Sob a promessa de desenvolvimento sustentável, comunidades tradicionais, assentamentos rurais e povos quilombolas vêm enfrentando perda de terras, danos ambientais, contratos abusivos, entre outros desafios.
A atuação da Defensoria Pública da União (DPU), em conjunto com outras organizações do Sistema de Justiça e da sociedade civil, diante dos impactos das usinas de energias renováveis na Paraíba é o tema da décima matéria da série especial “DPU na COP 30: Justiça Climática é Direito”. As reportagens, produzidas pela Assessoria de Comunicação (Ascom) da instituição, apresentam iniciativas da DPU em defesa dos direitos socioambientais, mostrando como essa atuação cotidiana contribui para a agenda global de justiça climática.
Para a justiça climática efetivamente existir, ela precisa ser boa para todo mundo
A questão dos impactos socioambientais dos parques eólicos e solares no Nordeste brasileiro chegou à DPU em 2021 por meio das universidades federais da Paraíba e de Pernambuco, de representantes da sociedade civil e das populações atingidas por essas usinas. “São energias renováveis, mas não é verdade que sejam efetivamente 100% limpas. Existem muitos e muitos impactos nas populações dos locais onde elas são produzidas”, alerta o defensor público federal Edson Júlio de Andrade Filho, que atua na Paraíba. Ele destaca que a falta de regramento pelo poder público agrava a situação.
O defensor enfatiza que nem as comunidades, nem a DPU são contra a implantação de parques de energia renovável, mas é necessário que traga riquezas e benefícios para as populações afetadas. A instituição defende a criação de políticas públicas de proteção às comunidades atingidas, condicionando a implantação dos empreendimentos à adoção de medidas que possam proteger essas populações vulneráveis, tanto do ponto de vista socioambiental, quanto do ponto de vista econômico.
“Para uma justiça climática efetivamente existir, ela precisa ser boa para todo mundo, principalmente para quem sofre os impactos dessa produção”, propõe Andrade Filho.
Escuta ativa e identificação do problema
A DPU participou de reuniões com a Defensoria Pública Estadual (DPE/PB), o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público da Paraíba, representantes das comunidades atingidas (quilombolas, assentados da reforma agrária e pequenos agricultores familiares), além de organizações da sociedade civil, como Comissão Pastoral da Terra, ActionAid, Cáritas e Instituto ClimaInfo.
Por meio de um processo colaborativo de escuta das comunidades, revelou-se um modelo de exploração energética fundamentado no assédio predatório e sistemático das empresas geradoras de energia às comunidades rurais vulneráveis, aproveitando-se da ausência de participação estatal na formulação de políticas públicas protetivas. Foram identificados oito eixos centrais de violações de direitos.
Mapeamento dos danos
Uma das violações diz respeito a abusividades contratuais, especialmente a falta de transparência e de acesso à informação pelas populações atingidas. “As empresas eólicas ou solares buscam diretamente as comunidades e impõem um dever de sigilo na negociação das propriedades. Isso gera um verdadeiro desapossamento dessas terras, inclusive de comunidades tradicionais quilombolas, que têm uma especial proteção do seu território”, explica o defensor. A situação é ainda mais grave, porque essas populações possuem direito, conforme prevê a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), à realização de consultas livres, prévias e informadas.
Outros danos identificados foram: desapossamento dos agricultores de suas propriedades sem que eles compreendam os impactos subsequentes; riscos à saúde das populações, sem que sejam observados parâmetros internacionais de distância, causando adoecimento geral (físico e mental); problemas ambientais, com supressão de vegetação nativa, impactos em aves, envenenamento do solo; e ausência de obrigação de retirada das placas solares e torres eólicas, com contratos conferindo direito (e não obrigação) de retirada futura pelas empresas.
Também foi identificada, conforme processos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a possibilidade de que existam sítios arqueológicos em territórios com instalação autorizada, sem que tenha sido feita a análise adequada.
Há poucos impactos socioeconômicos positivos. Os pagamentos são incertos e irrisórios. Não há aproveitamento local de parte da energia produzida e baixo índice de contratação dos moradores nas vagas de trabalho geradas. Por outro lado, sobram impactos negativos, como a redução de áreas agrícolas, o aumento da violência pelo influxo de trabalhadores externos e o grave risco de perda da qualidade de segurado especial rural no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pela fonte de renda não agrícola.
Recomendações
Diante desse cenário, recomendações conjuntas foram expedidas pelas defensorias da União e do estado e pelos ministérios públicos federal e estadual.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) acolheu integralmente a recomendação para que não fosse permitido o avanço das empresas energéticas sem a intervenção do instituto, inclusive, sem que, no que se refere às comunidades tradicionais, fossem realizadas consultas prévias, livres e informadas. As instituições avaliam, neste momento, o cumprimento da medida.
A Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), do governo da Paraíba, por sua vez, acolheu a recomendação em relação às consultas às comunidades. Não foi acatado, no entanto, o ponto relativo à finalização de todos os estudos ambientais, inclusive Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima), antes de autorizar os empreendimentos.
Importância do trabalho conjunto e o paradoxo da transição energética
Edson Júlio de Andrade Filho destaca que este trabalho tem sido fundamental para demonstrar que a expansão energética sustentável exige uma abordagem que priorize os direitos das comunidades vulneráveis. “O trabalho conjunto foi essencial para o enfrentamento da assimetria de poder entre empresas e as comunidades atingidas. Vimos que é imprescindível que os poderes públicos estabeleçam diretrizes e imponham limites à política energética, pois a ausência de regulamentação específica permite práticas predatórias contradizendo princípios de justiça climática”, afirma o defensor.
Justiça climática é o conceito de que os impactos ambientais não afetam a todos da mesma forma, atingindo desproporcionalmente às populações mais vulneráveis. Práticas predatórias na implantação de energias renováveis reproduzem esse padrão, criando um "custo oculto" que recai sobre quem menos contribuiu para a crise climática. A transição energética para fontes limpas é necessária, mas não pode ocorrer à custa de violações de direitos e da exclusão social.
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Assessoria de Comunicação Social
Defensoria Pública da União
Por: Defensoria Pública da União
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