Juiz não pode usar critério objetivo para negar Justiça gratuita de pronto
Essa conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese vinculante para orientar as instâncias ordinárias sobre como tratar os numerosos e constantes pedidos de Justiça gratuita no Brasil.
O julgamento, iniciado em dezembro de 2023, foi concluído nesta quarta-feira (17/9) por maioria de votos. Os ministros discutiram e se posicionaram em três linhas distintas:
— Critérios não servem para negar gratuidade de pronto, mas podem ser usados de forma subsidiária: Posição vencedora do relator, ministro Og Fernandes. Ele foi acompanhado pelos ministros Mauro Campbell, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Sebastião Reis Júnior e Humberto Martins;
— Critérios nunca podem ser usados para analisar gratuidade de Justiça: Posição do voto parcialmente divergente da ministra Nancy Andrighi;
— É possível usar critérios objetivos para analisar a gratuidade, inclusive em caráter preliminar e indiciário: Posição do voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhado pelos ministros Isabel Gallotti, Joel Ilan Paciornik e Herman Benjamin.
Justiça gratuita
A gratuidade da Justiça é um benefício que permite acesso ao Poder Judiciário sem custas e despesas processuais, além de suspender o pagamento de honorários de sucumbência dos advogados vencedores, nos casos em que o beneficiário é derrotado.
O Código de Processo Civil, no artigo 99, parágrafo 2º, diz que se presume verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. A posição jurisprudencial consolidada, porém, é de que essa presunção é relativa.
Ou seja, o juiz pode indeferir a gratuidade se houver elementos nos autos que demonstrem a capacidade financeira de quem a solicitou. Para isso, juízes de primeiro grau e tribunais vêm adotando critérios objetivos, não previstos na lei.
O assunto é de grande importância porque mexe com a garantia de acesso à Justiça, que é tratada de forma bastante ampla pela Constituição, pela lei federal e pela jurisprudência do próprio STJ.
As consequências do tema são grandes. Manifestações de amici curiae (amigos da corte) apontaram que a ampla concessão de gratuidade favorece processos temerários e sobrecarrega as cortes brasileiras.
Só de maneira subsidiária
A posição vencedora de Og Fernandes é a de que, havendo presunção de veracidade da alegação de insuficiência feita pela pessoa natural, não cabe o uso de critérios objetivos para indeferir de pronto o pedido.
Assim, o juiz deve analisar se existem indícios aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural. Se houver, ele deverá determinar a comprovação dessa condição para, só então, aplicar critérios objetivos de forma subsidiária.
Teses propostas pelo relator:
1) É vedado o uso de critérios objetivos para indeferimento imediato da gratuidade judiciária requerida por pessoa natural;
2) Verificada existência nos autos de elementos aptos a afastar a presunção de hipossuficiência econômica da pessoa natural, o juiz deverá determinar ao requerente comprovação de sua condição, indicando de modo preciso as razões que justificam tal afastamento, nos termos do artigo 99, parágrafo 2º, do CPC;
3) Cumprida a diligência, a adoção de parâmetros objetivos pelo magistrado pode ser realizada em caráter meramente suplementar e desde que não sirva como fundamento exclusivo para indeferimento do pedido da gratuidade.
Nem de maneira subsidiária
Em voto-vista lido nesta quarta-feira (17/9), a ministra Nancy Andrighi abriu uma terceira via para estabelecer que nem mesmo de maneira subsidiária o juiz pode usar critérios objetivos para analisar a concessão da Justiça gratuita.
Isso porque o critério legal para ter direito à benesse é a insuficiência de recursos para pagar custas e despesas processuais e arcar com honorários de sucumbência. Essa análise depende de cada pessoa e de cada processo.
É isso o que torna inviável a adoção de uma análise padronizada, como se houvesse uma espécie de formulário a ser preenchido. Um entendimento diferente, segundo Nancy, estimularia decisões padronizadas, sem a devida fundamentação e com limitação de análise de provas.
“Ninguém deve ser obrigado a sacrificar seu sustento para exercer um direito. A regulamentação da gratuidade, na exata forma em que prevista no Código de Processo Civil, já é suficiente para evitar abusos por meio da análise casuística e fundamentada.”
Nancy redigiu proposta de tese vinculante, mas não a leu no julgamento.
Pode usar critérios objetivos
Abriu a divergência o ministro Villas Bôas Cueva, para quem a definição de critérios objetivos para a análise da gratuidade de Justiça traz segurança jurídica, racionalidade e eficiência às decisões.
Esses critérios devem ser sempre acompanhados de uma análise das peculiaridades do caso concreto. Eles integram a avaliação que o magistrado deve fazer sobre a real capacidade da pessoa de arcar com o custo do processo.
Isso permite que o juiz indefira de pronto o benefício sempre que verificar elementos que comprovem que a parte tem condições financeiras de pagar custas e despesas. Se houver dúvidas, o julgador deverá determinar que a parte comprove suas razões.
“A adoção de critérios objetivos para aferir a insuficiência de recursos da parte mostra-se legítima desde que sirvam de elementos indiciários iniciais, que serão confirmados ou não a partir do caso concreto”, explicou Cueva.
O ministro propôs a seguinte tese:
Na apreciação do pedido de gratuidade de Justiça formulado por pessoa natural, da interpretação conferida aos artigos 98 e 99 do Código de Processo Civil, extrai-se que:
1) A declaração de pobreza goza de presunção relativa, podendo o magistrado verificar a existência de elementos aptos a afastar e indeferir gratuidade;
2) O dever do magistrado que preside o processo de prevenir eventuais abusos no benefício da gratuidade, aferindo real condição econômica financeira para fim de indeferir total ou parcialmente a gratuidade de Justiça;
3) É legítima a adoção de critérios objetos e de caráter preliminar e indiciário para aferição da insuficiência de recursos, aos quais devem ser aliado às circunstâncias concretas de natureza subjetiva relacionadas à causa;
4) Em caráter exemplificativo, desde que de forma não exclusiva, é possível adotar os seguintes critérios objetivos para a concessão da gratuidade de Justiça:
a) Dispensa de declaração do Imposto de Renda;
b) Ser beneficiário de programa social;
c) Estar representado pela Defensoria Pública no processo;
d) Auferir renda mensal de até 3 salários mínimos ou salário igual ou inferior a 40% do limite máximo de benefícios do regime da previdência social, observada realidade local;
e) Perfil de demanda;
f) Custos da causa;
5) Na hipótese de o magistrado verificar elementos constantes do autos apto a evidenciar suficiência de recursos da parte requerente a partir do não atendimento dos critérios objetivos e das circunstâncias do caso, poderá, de plano, indeferir o benefício;
6) No caso em que elementos dos autos deixem dúvidas ou sejam insuficientes para comprovar o preenchimento dos pressupostos para concessão do benefício, deverá o magistrado determinar à parte que demonstre as razões que justifiquem a concessão, indicando de modo preciso os elementos que apontem entender seja o caso de deferimento da gratuidade.
REsp 1.988.686
REsp 1.988.687
REsp 1.988.697
Por: Consultor Jurídico
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