Julgamento sobre uberização marcará nova era nas relações laborais
Àquela altura, os tribunais e varas do Trabalho se debruçavam sobre milhares de processos sobre esse conflito e as decisões mais dividiam do que pacificavam a discussão. Com acúmulo de derrotas na Justiça do Trabalho, as plataformas recorreram ao Supremo Tribunal Federal, que já havia aberto a porteira para reconhecer a legalidade das relações de trabalho fora das quatro linhas da CLT.
A Suprema Corte passou a admitir reclamações constitucionais movidas pelas empresas contra decisões até de primeira instância. O entendimento predominante no STF é de que o enquadramento de trabalhadores autônomos como celetistas, como na decisão da 4ª Vara de São Paulo, desrespeita precedentes do tribunal, como a licitude da terceirização e da contratação de profissionais na forma de pessoa jurídica. A Justiça do Trabalho, porém, argumenta que os precedentes evocados não têm relação direta com a controvérsia envolvendo os plataformizados. Os julgadores da Justiça do Trabalho se apegam à tese de que a análise fática dos casos concretos mostra a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego, como pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação.
Em 2023, a Uber ingressou com recurso no STF contra decisão da 8ª Turma do TST que reconheceu vínculo de emprego de um motorista. O Supremo, então, decidiu dar a palavra final sobre o conflito e reconheceu a sua repercussão geral (Tema 1.291). Naquele ano, mais de 17 mil processos desse tipo tramitavam na Justiça do Trabalho, segundo estimou a Procuradoria-Geral da República no parecer enviado ao Supremo em que se manifestou contrária ao vínculo de emprego dos motoristas de aplicativo.
Levantamento deste Anuário da Justiça, com dados do CNJ, mostra que os pedidos de reconhecimento de relação de emprego, assunto processual em que está inserida a maioria das demandas envolvendo os trabalhadores de plataformas, quase triplicaram em quatro anos. De 165,3 mil ações, em 2020, para 441,1 mil. Mais de 1,7 milhão de pessoas trabalhavam por meio de plataformas digitais em 2024, aumento de 25% em relação a 2022. Dados do IBGE revelam que o transporte de passageiros concentra a maior parcela desses trabalhadores (964 mil pessoas), seguidos pelos entregadores de comida e encomendas (485 mil) e pelos prestadores de serviços profissionais (294 mil).
Demandas sobre reconhecimento de relação de emprego quase triplicaram em quatro anos
O STF iniciou o julgamento sobre a uberização em outubro de 2025, unindo o recurso da Uber (RE 1.446.336), oriundo do TRT-1/RJ, e o da Rappi (RCL 64.018), contra decisão do TRT-3/MG que reconheceu vínculo de emprego de um entregador. O julgamento tende a ser um marco para o futuro do trabalho mediado por plataformas no Brasil e está pautado para dezembro de 2025. A definição sobre o vínculo também indicará os limites da atuação da Justiça do Trabalho, que pode ver afastada sua competência para julgar essas ações.
Transporte de passageiros concentra maior parcela de plataformizados, seguidos pelos entregadores de comida e encomendas
Para o ministro Flávio Dino, o desafio do STF é encontrar equilíbrio que assegure direitos sociais básicos aos trabalhadores de aplicativos sem comprometer a autonomia e a livre iniciativa. Ele defendeu uma “liberdade regrada”, em que o trabalho possa ocorrer fora da CLT, mas sem eliminar um patamar mínimo de proteção. No julgamento da ADI 7.852, que discute a constitucionalidade da lei que regulamenta o serviço de mototáxi em São Paulo, Dino disse não ser “admissível que, empresas operadoras de alta tecnologia comportem-se como senhores de escravos do século 18, lucrando com o trabalho alheio executado em um regime excludente de direitos básicos”.
Pesquisa Datafolha, encomendada pela Uber e divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo de outubro de 2025, revela que seis a cada dez motoristas no Brasil preferem não ter vínculo formal de emprego. O levantamento, feito com 1.800 profissionais, aponta que flexibilidade e autonomia são os principais atrativos, mesmo diante da ausência de benefícios trabalhistas. A principal demanda da categoria em uma eventual regulamentação é o apoio à renovação de veículos. A principal aversão é à possibilidade de ter de pagar o INSS.
Na Justiça do Trabalho, a subordinação jurídica, vinculada à direção pessoal do empregador, vem sendo reinterpretada à luz da chamada subordinação algorítmica. Nessa perspectiva, o poder diretivo se manifesta não pela presença física de um superior, mas por meio de mecanismos digitais de controle: algoritmos que definem tarifas, distribuem corridas ou entregas, monitoram desempenho e impõem punições automáticas — práticas que, na visão de diversos juízes, configuram relação de trabalho típica.
No Senado, o presidente do TST, Vieira de Mello Filho, defendeu a regulamentação do trabalho por plataformas e alertou que esses profissionais não têm verdadeira autonomia, já que não definem seus contratantes nem o valor dos serviços. Também criticou a perda de garantias trabalhistas, como FGTS, 13º salário e previdência. “Quem vai pagar a Previdência? Quem vai ser responsável pelas gerações futuras?”, questionou.
A advogada Vólia Bomfim, desembargadora aposentada do TRT-1/RJ, defende um modelo intermediário, que reconheça a autonomia sem abrir mão de uma rede básica de proteção social.
JURISPRUDÊNCIA
UBERIZAÇÃO NO STF
NÃO RECONHECE O VÍNCULO
STF, 1ª Turma
Para a maioria da 1ª Turma do STF, motoristas de aplicativos e entregadores não têm relação de emprego com plataformas como Uber e iFood. Em dezembro de 2023, o colegiado cassou decisão do TRT-3/MG que reconheceu vínculo trabalhista de um motorista com a Cabify, sob a alegação de que a decisão contrariou a jurisprudência do STF sobre terceirização da atividade-fim. Relator do caso, Alexandre de Moraes destacou que a relação entre plataformas digitais e seus motoristas ou entregadores não configura vínculo empregatício automático, desde que respeitada a autonomia do trabalhador. Acompanharam o relator: Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin. Flávio Dino não votou, mas entende que, nesses casos, a Justiça do Trabalho analisa cada caso concreto, não a legalidade genérica da terceirização.
Processos analisados: RCL 60.347, RCL 66.182, RCL 67.989 (STF, 1a TURMA)
SUBORDINAÇÃO TELEMÁTICA
RECONHECE O VÍNCULO
TST, 6ª Turma
A 6ª Turma do TST reconheceu o vínculo de emprego de um motofretista de aplicativo, destacando que a subordinação pode ocorrer por meios telemáticos. A decisão explica que o algoritmo da plataforma organiza e dirige a prestação de serviços, configurando o poder de comando do empregador, mesmo que o trabalhador tenha flexibilidade de horários e possa recusar entregas. “É irrelevante, para a configuração da subordinação jurídica, que o trabalho realizado seja controlado ou supervisionado pela pessoa física do empregador ou de seus prepostos. Com a evolução
tecnológica e a possibilidade de realização do trabalho fora da sede do empregador, a CLT passou a prever expressamente a subordinação jurídica verificada por meios telemáticos ou informatizados de controle e supervisão”, diz o acórdão.
Processo analisado: RR 0010943-69.2022.5.03.0043 (TST, 6ª TURMA)
RECUSA DE CORRIDAS
RECONHECE O VÍNCULO
TST, 6ª Turma
A 6ª Turma do TST reconheceu o vínculo de um motorista de transporte por aplicativo. O colegiado reforçou que a possibilidade de recusar corridas não descaracteriza a subordinação, citando como analogia a previsão do trabalho intermitente (art. 452-A, parágrafo 3º, da CLT). “Não afasta a subordinação jurídica a possibilidade de o empregado recusar determinadas corridas, ou cancelar corridas inicialmente aceitas por ele por meio da plataforma digital. Afinal, o ordenamento jurídico vigente contém previsão expressa, direcionada ao trabalho intermitente (que é formalizado mediante relação de emprego), de que a recusa de determinado serviço não descaracteriza, por si só, a subordinação”, decidiu a turma.
Processo analisado: RR 0000459-86.2022.5.12.0061 (TST, 6ª TURMA)
ALGORITMOS
RECONHECE O VÍNCULO
TRT-2, 3ª Turma
A 3ª Turma do TRT da 2a Região (SP) acatou recurso de um motorista, afirmando que a empresa de aplicativo dita as regras e controla a prestação de serviços por meio de algoritmos que fiscalizam o trabalho de forma contundente, aplicando punições como suspensão e descadastramento, o que afasta a ideia de autonomia. “Embora a reclamada sustente ser mera detentora de plataforma digital e não fornecedora de serviços de transportes é ela quem dita as regras e controla a prestação de serviços por meio de algoritmos, os quais acabam fiscalizando de maneira ainda mais contundente e eficaz o labor prestado, de maneira que é inegável a efetividade e segurança da subordinação jurídica”, diz o acórdão, de relatoria do desembargador Paulo Eduardo Vieira de Oliveira.
Processo analisado: ROT 1001294-33.2023.5.02.0374 (TRT-2, 3ª TURMA)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
JUSTIÇA DO TRABALHO
TST, 1ª Turma
Embora não seja uma decisão de mérito, a 1ª Turma do TST reafirmou a competência da Justiça do Trabalho para julgar conflitos envolvendo suposta relação de emprego de trabalhadores de aplicativo. No caso concreto, a turma se manifestou no âmbito de um agravo interposto pela Uber em que contestava a competência da Justiça do Trabalho. “O pedido e a causa de pedir da parte autora são alicerçados no reconhecimento do vínculo empregatício, razão pela qual é da Justiça do Trabalho a competência para acolher ou rejeitar a pretensão. Se a pretensão for rejeitada o resultado será a improcedência da ação e não a declaração de incompetência material”, diz a ementa do acórdão.
Processos analisados: AG-RR 0010951-11.2023.5.03.0011 (TST, 1ª TURMA)
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2025
ISSN: 2238-9954
Número de páginas: 304
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
Anunciaram no Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Banco do Brasil S.A.
BFBM – Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Bradesco S.A.
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
Febraban – Federação Brasileira de Bancos
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
JBS S.A.
Mubarak Advogados
Peixoto & Cury Advogados
Refit
Silva Matos Advogados
Warde Advogados
Por: Consultor Jurídico
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