Quem paga a dívida trabalhista: STF e Justiça do Trabalho em conflito
No primeiro, decidiu que empresas de um mesmo grupo econômico que não participaram da fase de conhecimento não podem ser incluídas na execução, nem mesmo depois da instauração do IDPJ, autorizado apenas nos casos de sucessão empresarial ou abuso de personalidade. No segundo, em decisão monocrática, o ministro Gilmar Mendes decretou que o juízo falimentar é o competente para apreciar incidentes de desconsideração envolvendo empresas em recuperação judicial ou falência.
As decisões marcam um ponto de inflexão na competência da Justiça do Trabalho na visão do STF. O pano de fundo do primeiro caso, debatido no Tema 1.232, de repercussão geral, consistia na possibilidade de incluir companhias de um mesmo grupo econômico na execução da sentença trabalhista, ainda que não tivessem participado do processo desde o início.
O relator, ministro Dias Toffoli, chegou a admitir a possibilidade, desde que o IDPJ fosse instaurado para garantir às organizações uma oportunidade de se defender. De acordo com ele, o redirecionamento da execução “nunca prescindiu da observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, por meio de um procedimento mínimo” que permitisse à empresa a oportunidade de se manifestar — e que esse rito seria o IDPJ.
Toffoli, no entanto, reviu seu voto depois das ponderações apresentadas pelos ministros Cristiano Zanin e Gilmar Mendes. Para Zanin, o cumprimento da sentença não pode ser estendido se o reclamante não indicar os corresponsáveis solidários ainda na fase de conhecimento. E mesmo neste caso, o redirecionamento da execução trabalhista somente é possível nas hipóteses de sucessão empresarial ou abuso de personalidade. Na avaliação do ministro, “a mera existência de grupo econômico, sem a presença desses requisitos, não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica”. Gilmar Mendes endossou a tese e admitiu o IDPJ desde que fique provado o uso da pessoa jurídica para lesar credores e a prática de ilícitos.
Ao final, a tese fixada pela maioria consolidou uma posição mais restritiva: o cumprimento da sentença trabalhista não pode ser imposto a empresas que não participaram da fase de conhecimento do processo. Além disso, cabe ao trabalhador indicar as pessoas jurídicas como corresponsáveis solidários já no início do processo. Exceções a essa regra são as hipóteses de sucessão empresarial e abuso de personalidade jurídica, desde que haja a instauração do IDPJ. A decisão de repercussão geral também vale para os processos anteriores à Reforma Trabalhista de 2017 e deve ser observada por todos os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs).
A ministra Delaíde Arantes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), acompanhou o julgamento e afirmou que se alinha ao primeiro voto do ministro Dias Toffoli, favorável apenas à instauração do incidente antes da inclusão de empresas de um mesmo grupo na fase de execução do crédito trabalhista. “Instaurando o IDPJ, a empresa tem como se defender. Na outra linha, como ficou decidido, a empresa devedora somente pode ser incluída lá na fase de cognição. No nosso sistema, isso não funciona muito bem”, afirmou ao Anuário da Justiça.
Na avaliação da ministra, a decisão do STF tende a reduzir ainda mais o índice de trabalhadores que conseguem receber os valores devidos. “Estatísticas do Conselho Superior da Justiça do Trabalho mostram que, das decisões com trânsito em julgado, apenas 33% dos trabalhadores efetivamente recebem. É um índice muito baixo. E quando analisamos o porquê disso acontecer vemos várias empresas terceirizadas que fecharam, que o titular não mora mais no Brasil, que houve algum processo de encerramento fraudulento. E o resultado é que, na ponta, o trabalhador não recebe”, afirmou. “Então eu diria, dentro desse raciocínio, que essa decisão do STF vai contribuir para que esse índice seja ainda menor”, criticou.
O segundo caso foi decidido em setembro, em decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes na Reclamação 83.535, e tratou da competência da Justiça Trabalhista para apreciar o IDPJ em situações de falência. Ao analisar recurso contra decisão da 8ª Turma do TRT-2/São Paulo, o ministro afirmou que o colegiado descumpriu a Súmula 10 do STF, que proíbe órgãos fracionários de um tribunal de afastar a aplicação de uma lei ou parte dela, ainda que sem declarar sua inconstitucionalidade.
No caso, o TRT-SP afastou a incidência do artigo 82-A, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, com redação da Lei 14.112/2020 — a nova Lei de Recuperação e Falências. Segundo o dispositivo, a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida somente pode ser decretada pelo juízo falimentar.
Mendes baseou a sua decisão em julgamento anterior da corte (ADI 3.934/DF e RE 583.955), em que foi definida a competência da Justiça do Trabalho apenas para conhecer das ações trabalhistas, enquanto a execução dos créditos deveria ser redirecionada ao juízo falimentar. No julgamento, o ministro não só reconheceu violação à Súmula 10/STF como decretou a competência do Judiciário comum para apreciar IDPJs em caso de recuperação e falência.
“A referida exigência visa a resguardar o princípio da igualdade também entre credores da mesma classe, considerando a possibilidade de habilitação de tais créditos no juízo universal. A continuidade de execuções individuais no juízo laboral, com desconsideração da personalidade jurídica e constrição de bens dos sócios, gestores ou administradores, pode resultar em tratamento desigual entre créditos de mesma natureza, em prejuízo da paridade que deve nortear o processo concursal”, escreveu Mendes.
Em casos anteriores, o STF havia se recusado a apreciar recursos com o mesmo questionamento. Exemplo é o Recurso Extraordinário com Agravo 1.247.897, com provimento negado em junho de 2020 por, entre outros motivos, “ausência de repercussão geral do tema relativo a eventual conflito de competências entre os juízos trabalhista e falimentar para processamento de execução de crédito trabalhista em caso de desconsideração de personalidade jurídica”.
Nos agravos regimentais 1.195.915 e 1.231.812, as decisões também foram por não conhecer e negar provimento, respectivamente. Os três casos são anteriores à Lei 14.112/2020, que fixou expressamente a competência do juízo falimentar para apreciar IDPJs. Nesse contexto, a decisão mais recente proferida pelo ministro Gilmar Mendes imprime nova perspectiva à discussão — e o que antes era visto como questão processual passou a ser tratado como tema de competência constitucional, agora à luz da Súmula Vinculante 10.
Paralelamente, o Tribunal Superior do Trabalho também está para julgar a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar incidentes de desconsideração da personalidade jurídica. A questão está submetida ao Plenário no Tema 26/TST. A corte convocou uma audiência pública para o dia 13 de novembro de 2025, a fim de debater o tema.
A controvérsia, por sua vez, parece longe de ser pacificada. A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) coleciona decisões em que reconhece a competência da Justiça do Trabalho para instaurar o IDPJ contra empresas em processos de recuperação ou falência. Esses precedentes inspiram TRTs a decidirem no mesmo sentido. Exemplo é o acórdão do TRT-10/Distrito Federal e Tocantins (Agravo de Petição 0001242-11.2024.5.10.0111), de janeiro de 2025, que autorizou esse ramo especializado do Judiciário a desconsiderar a personalidade jurídica de empresa em processo falimentar. No TST, também não há unanimidade. Em outubro de 2024, a 8ª Turma entendeu que a Justiça do Trabalho pode valer-se do incidente nos casos em que a falência ou recuperação judicial da empresa é posterior à entrada em vigor da Lei 14.112/2020 (RR 0000006-29.2017.5.09.0133).
O ministro Ives Gandra Filho reconhece que o tema ainda provoca muita discórdia e força o Supremo a contrariar decisões da Justiça do Trabalho. “Chamo isso de voluntarismo jurídico. Não interessa se o Supremo disse alguma coisa, não interessa se o legislador pensou diferente. Vale o meu sentido de Justiça, e é isso o que gera toda essa insegurança jurídica”, avaliou para o Anuário da Justiça.
Delaíde Alves Miranda Arantes acredita que a decisão do TST no Tema 26 trará luz à questão. “A preocupação não é só com a empresa, mas com a própria relação capital-trabalho que envolve as empresas nessa situação, porque é a empresa que não vai ter condição de saldar todas as suas obrigações e os trabalhadores que acabam ficando em prejuízo em razão da gestão da empresa”, ponderou.
JURISPRUDÊNCIA
GRUPO ECONÔMICO
Empresa do mesmo grupo econômico que não entrou na fase inicial do processo trabalhista pode ser incluída na execução?
NÃO. O Plenário do STF fixou tese com repercussão geral (Tema 1.232) estabelecendo que o cumprimento da sentença trabalhista não pode ser promovido contra empresa que não participou da fase de conhecimento, ainda que ela pertença ao mesmo grupo econômico da reclamada. Segundo a tese aprovada, por maioria, o trabalhador deve indicar na petição inicial todas as pessoas jurídicas corresponsáveis contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, demonstrando os requisitos legais para isso. O STF admitiu, de forma excepcional, a inclusão de terceiros na execução apenas nas hipóteses de sucessão empresarial ou de abuso da personalidade jurídica.
Processo analisado: RE 1.387.795/STF (TEMA 1.232 de repercussão geral)
RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Justiça do Trabalho pode decidir sobre execução de créditos trabalhistas de empresa em recuperação judicial?
NÃO. O STF decidiu que é da Justiça comum a competência para processar e julgar a execução dos créditos trabalhistas de empresa em recuperação judicial ou em processo de falência. O entendimento tem fundamento em dispositivo do Decreto-Lei 7.661/1945 que foi mantido na Lei 11.101/2005. À Justiça do Trabalho compete julgar as ações trabalhistas até a definição do crédito judicial, mas a execução cabe à Justiça comum, em respeito ao plano de recuperação judicial, que ele aprovou. “A opção do legislador foi manter o regime anterior da execução dos créditos trabalhistas pelo juízo de falência, sem prejuízo da competência da Justiça laboral quanto ao julgamento do processo de conhecimento”, diz a decisão de 2009.
Processo analisado: ADI 3.934/STF
PERSONALIDADE JURÍDICA
Justiça do Trabalho pode instaurar IDPJ em caso de empresa em recuperação judicial?
NÃO. No entendimento do ministro Gilmar Mendes, do Supremo, a Súmula Vinculante 10/STF proíbe que órgãos fracioná-rios de um tribunal de afastar a aplicação de normas, ainda que sem declarar sua inconstitucionalidade. Pela súmula, essa atribuição é do órgão especial ou pleno das cortes. A decisão reformou acórdão da 8ª Turma do TRT-2/SP que havia afastado a incidência de um trecho da legislação falimentar que fixa a competência do juízo de falências nesses casos. Mendes sustenta que cabe à Justiça do Trabalho a jurisdição de conhecimento para a apuração e liquidação dos créditos trabalhistas; admitir a desconsideração pela Justiça do Trabalho resultaria em tratamento desigual entre créditos da mesma natureza.
Processo analisado: RCL 83.535/STF
IDPJ EM FALÊNCIAS
O STF reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para instaurar o IDPJ em casos de falência?
NÃO. Nas três decisões analisadas pelo Anuário da Justiça, o STF considerou que a controvérsia possui natureza infraconstitucional e aplicou a Sú-mula 279, que impede o reexame de fatos e provas. Na decisão mais recente (ARE 1.247.897), os ministros destacaram ainda a ausência de repercussão geral do tema relativo a eventual conflito de competências entre os juízos trabalhista e falimentar para processar a execução de crédito trabalhista em caso de desconsideração de personalidade jurídica. A decisão tem por fundamento o Tema 878 julgado em 2016, que diz que a questão “tem natureza infraconstitucional, eaela se atribuem os efeitos da ausência de repercussão geral”.
Processos analisados: ARE 1.247.897; RE 864.264 e TEMA 878; ARE 1.195.915; ARE 1.231.812
POSIÇÃO DO STJ
Justiça do Trabalho pode desconsiderar a personalidade jurídica de empresa em recuperação judicial?
SIM. A 2ª Seção do STJ entendeu que decisão da Justiça do Trabalho de instaurar o IDPJ não configura usurpação da competência do juízo da recuperação judicial. Para o colegiado, o incidente não atinge diretamente o patrimônio da empresa em recuperação. Ao contrário, é uma medida secundária que se limita a estender a responsabilidade trabalhista a sócios ou outras empresas do grupo econômico. De acordo com o acórdão, a Lei de Falências não retira de outros juízos a possibilidade de instaurar o IDPJ. Depois da Lei 14.112/2020, o STJ afirmou que, em caso de constrição de bens da massa falida, cabe ao juízo da recuperação exercer o controle do ato e, se necessário, acionar a cooperação judicial prevista no artigo 69 do CPC”.
Processos analisados: AGRG no CC 190.942/GO e CC 200.777/SP
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2025
ISSN: 2238-9954
Número de páginas: 304
Versão impressa: R$ 50, à venda na Livraria ConJur
Versão digital: gratuita, disponível no site anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
Anunciaram no Anuário da Justiça do Trabalho 2025
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Banco do Brasil S.A.
BFBM – Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Bradesco S.A.
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Décio Freire Advogados
Febraban – Federação Brasileira de Bancos
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
JBS S.A.
Mubarak Advogados
Peixoto & Cury Advogados
Refit
Silva Matos Advogados
Warde Advogados
Por: Consultor Jurídico
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